Editorial

O tema do Congresso Mundial da AMP "não há relação sexual" foi a bússola de pesquisa que apresentamos aqui. Procurar as referências a partir de um aforismo proposto no fim do ensino de Lacan foi um desafio já que o exercício de leitura não era da estrutura linear de um enredo, tampouco de um desenvolvimento. Como organizar, então, essa mini-biblioteca? Esta pergunta é sempre difícil de responder, já que as bibliotecas são vivas e infinitamente (des)organizáveis, e aqui não foi menos difícil. A linha do tempo foi o critério escolhido para dar certa lógica interna a esse vasto material recolhido. A partir daí, as redes de leituras se estabelecerão, inclusive desobedecendo essa ordenação. Tínhamos a partida, aqui contamos o que encontramos nos caminhos que percorremos de Lacan a Freud, de Miller a Lacan, de Freud a Miller e vice-versa.

Atravessar os textos com está chave de leitura elaborada como a versão final do trauma, como diz Miller, "não há relação sexual", permitiu armar uma série de combinações e associações que vão dando conta de uma profícua e complexa construção desta perspectiva. Deste modo, as referências se mantêm como pontos de uma constelação ampla e impossível de totalizar. É um ponto de referência, como dizemos, para encontrar com mais facilidade um lugar. Elas mantêm, portanto, os enigmas que esse aforismo comporta, a opacidade mesma da linguagem. Não há aqui a pretensão de esclarecer porque não há resposta pronta, tampouco unívoca para a inexistência da relação sexual. Contamos, porém, com um desejo de elucidar, de destacar esses pontinhos de luz, os vagalumes que iluminam as veredas e vão dando notícias do impossível ao passo que mobilizam o campo dos possíveis, o campo do que há: o amor, o sintoma, o fantasma, etc. A leitura deste material mantém a solicitação de Lacan para que cada um deposite algo de si, suas perguntas, suas questões, seu desejo de saber. Mais especificamente que possam servir para a poética exigida diante do que não há, o esforço de poesia que convoca uma ortografia particular e que Lacan inspira em um equívoco entre a vida sexual: "Sua vida sexual [sa vie sexuelle], conviria escrever isto com uma ortografia particular. Aconselho-os vivamente o exercício que consiste em tentar transformar as formas como se escrevem as coisas. "Ça visse exuelle"[1], eis mais ou menos onde estamos. Tentem brincar com a ortografia, é uma certa forma não de todo vã de tratar o equívoco." Com a ausência de proporção revelada também no equívoco, Lacan propõe brincar com a ortografia, uma prática da escrita e, porque não, da língua, que podem inspirar os escritos porvir.

Há várias portas de entrada, todas elas exigem um exercício de leitura, uma poética, para encontrar a chave porque os caminhos não são óbvios. Esse exercício de leitura na EBP foi feito coletivamente por várias mãos cujos nomes estão listados abaixo. Todas elas interessadas, atentas e dedicadas a essa experiência de construção, a contribuição da EBP, do que temos em língua portuguesa para o conjunto das línguas da AMP. É sempre uma alegria encontrar essa generosidade no trabalho de Escola, nesse laço que impulsiona e transmite um desejo muito vivo presente desde o amável convite de Marcela Antelo, a quem agradeço especialmente a confiança, a interlocução e o ânimo.

Flávia Cêra


[1] "Através do jogo ortográfico, Lacan evoca a presença do Isso (Ça), bem como a de um aparafusamento (visse) [NT]. Lacan, J. Meu ensino. Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 2006, p.26-27.

Equipe:

Diretora de Biblioteca da EBP: Flávia Cêra

Leitores

Diretores de Biblioteca das Seções: Adriana Pessoa, Camila Colás, Fernanda Costa, Gustavo Ramos, Iordan Gurgel, Paula Legey, Sandra Conrado.

Adriana de la Peña Faria, Ana Maria Ferreira da Silva, Andressa Luz, Angela Folly Negreiros, Clara Melo, Claudio Melo, Cristina Vidigal, Elisa M. Uyttenhove, Ethel Poll, Francisco Matheus Barros, Geaninne Lucas Vieira, Gize Bessa Cantarinelli, Hellen da Costa Guerra, Isabela Correia Machado, Janaína A. C. Pinheiro, Jaqueline S. Franco, João Klaus Liberato da Silva Seydel, Lara Cedraz Carneiro, Larissa Pinto Martha, Lourenço Astúa de Moraes, Luciana Pedron, Marina Ladeira, Milena Nadier, Mônica Campos, Nelson Matheus, Olivia Viana, Patricia Soares Paterson, Rafaela O. Quixabeira, Renata Dinardi, Simone S. Vieira, Tânia Prates, Tatiane Grova Prado, Verônica Montenegro, Waléria Paixão.