Espero que o Congresso possa abrir o enorme campo deste que há, a partir da inexistência da relação sexual. Porque não há relação sexual, há o amor, a arte, a literatura, e os quatro discursos. E a psicanálise! A própria humanidade. Esta é a função "civilizadora" da relação que não existe.
A relação entre um homem e uma mulher se constrói nos fundamentos da relação sexual que "não há", e se assenta no sinthoma. Lacan, no Seminário 23, o diz assim:
Com efeito, se a não-relação deriva da equivalência, a relação se estrutura na medida em que não há equivalência. Há, portanto, ao mesmo tempo, relação sexual e não há relação. Há relação na medida em que há sinthoma, isto é, em que o outro sexo é suportado pelo sinthoma.[1]
Poderíamos então considerar que "há relação" quando as versões do exílio da relação sexual ressoam em cada um dos partenaires?
[1] Lacan, J. O seminário, livro 23: O sinthoma. (1975-1976). Texto estabelecido por Jacques-Alain Miller. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2007. p. 98. Lição de 17/02/1976.
Não se trata, evidentemente, de um assassinato que conduz ao Tribunal do Júri. Com efeito, esses desvios sangrentos devem ser tomados, salvo nos casos de passagem ao ato psicótico, apenas como a imaginação da estrutura própria ao fantasma. Mutilar um homem [na outra cena] até que disso resulte a morte pode, assim, não ser mais do que uma maneira de uma mulher significar que tal homem é o seu. O fantasma de matar o homem mereceria, então, ser elevado à dignidade de Uma criança é espancada. J.-A. Miller precisou, aliás, durante o "Parlamento de Montpellier", que o corpo do homem — ao menos certas partes — dizia respeito, para muitas mulheres, a um pertencimento inconsciente ao corpo feminino[1].
[1] Miller, J.-A. & al., « Facettes de la dernière clinique de Lacan. Autour du Séminaire XXIII », inédito.
Em O Seminário, livro 23 Lacan afirma que "o sintoma central (…) é feito da carência própria da relação sexual"[1]. Propõe também: que essa carência tome uma forma e que não se trata de uma "forma qualquer"[2]. Afinal, o que vem a ser a forma que aparece como efeito da inexistência da relação sexual? Se não se trata de uma forma qualquer é porque não se confunde com o significante pois "se decanta do real excluído do sentido"[3]. Essa forma que a não-relação sexual adquire e que se apresenta como um estilo que domina um laço amoroso pode ser apreendida como a relação sexual que existe ?
[1] Lacan, J., livro 23: O sinthoma. (1975-1976). Texto estabelecido por Jacques-Alain Miller. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2007. p. 68. Lição de 13/01/1976.
[2] Ibidem, p. 68.
[3] Ibidem, p. 62-63.
O sentido que se depreende na análise é sexual e substitui o sexual que falta
A não-relação interpreta o dizer de Freud sobre a sexualidadeNota-se que o próprio Freud não leva às últimas consequências o dito do inconsciente sobre a sexualidade, pois, segundo ele, o inconsciente produz sentido. Para Lacan, o inconsciente não é de modo algum o que faz sentido; o inconsciente apenas cifra o gozo pulsional. O trabalho de ciframento é reconhecido como a marca do inconsciente, "pois em parte alguma e sob nenhum signo inscreve-se o sexo por uma relação"[1]. Se não é o inconsciente que produz sentido, se ele apenas cifra, não será a prática analítica que concorrerá para dar sentido ao que é decifrável nas formações do inconsciente.
[1] Lacan, J. Introdução à edição alemã de um primeiro volume dos Escritos. In: ___. Outros escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2003. p. 551.
O aforismo de Lacan vai causar ondas porque faz furo. Ciência e capitalismo não cessam de produzir relações graças as leis da linguagem: S1-S2 sendo sua raiz elementar. O não há relação (…) é uma voz baixa tendo como fundo: tudo é relação (…). Ora, quando lemos "A Interpretação dos Sonhos[1]", o que constatamos? Que Freud está menos interessado pelas relações do que pela substituição, pelo deslocamento, pela condensação e pelo recorte da matéria significante (…). Há aí uma pista: à relação e ao laço se opõem: a substituição – talvez o que Lacan nomeia suplência encontre aqui seu fundamento –, mas também o corte.
[1] Freud, S. A interpretação dos sonhos. (1900) Trad. e notas: Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2019. (Obras Completas de Sigmund Freud, 4)