Elevemos a aposta e, em lugar de um "chalé da montanha"1, faremos intervir a natureza em sua versão exponencial, selvagem e exótica: África, Quênia para mais precisão, no início do século XX, em plena era colonial clássica, hoje obsoleta, o que acrescenta um ar fora do tempo à situação. Uma mulher, a baronesa Karen Bixen, casada por conveniência com o dono de uma plantação de café – que não se interessa por ela – se encontra com um galante e aventureiro caçador, a sós, numa paisagem agreste, junto a um rio cheio de hipopótamos. Para responder à pergunta de Lacan: não é nada seguro nem natural que esse homem e essa mulher transem. Ao contrário, ele lhe lava os cabelos delicadamente e, enquanto faz aumentar a espuma esfregando-lhe a cabeça com suas mãos e enxaguando-a em seguida com uma grande jarra, recita alguns versos de um clássico da literatura inglesa, The Rime of the Ancient Mariner, de Samuel T. Coleridge. Ela, com um sorriso beatífico, lhe assinala que está omitindo alguns versos e ele responde que só pula os enfadonhos, para dizer o que lhe interessa: "Reza bem quem bem ama, ao homem, ao animal e ao pássaro". Sobre essa cena inesquecível, carregada de sensualidade, disse Meryl Streep que interpretou a baronesa: "É uma cena de sexo, de certa forma, porque é muito íntima"2. "Já vimos tantas cenas de pessoas transando, mas não vemos aquele amor, aquele toque, aquele cuidado. Maravilhoso. Eu não queria que acabasse aquele dia". O adorado e recentemente falecido Robert Redford, que encarnou Denys Finch Hatton, o caçador, conseguiu dar vida a uma versão do desejo que enlaça um objeto recortado do corpo com umas poucas palavras de amor, na medida de seu personagem. Embora não haja naturalismo do desejável, o encanto inigualável de Robert o supre de um modo que perdura, e perdurará. Ninguém quer que esse instante termine…
[1] Lacan, J. Le Séminaire, livre XV : L'acte analytique. (1967-1968). Texte établi par Jacques-Alain Miller. Paris : Seuil, Ed., 2024. p. 266.


